CAFÉ SEM LETRAS

Segui até a cafeteria.. Aroma amargo disperso saiu do café. Café sem letras e sem nome. O alfabeto se perdera tonto no giro da colher. O leite amontoando-se às cores dos grãos, a noite quase chegando. Brasília se põe devagar sobre a mesa, enquanto rabisco o meu papel. Tem um cheiro seco da noite, sem o estranho estalar das folhas do cerrado. Tem um olhar preso no emaranhado de nuvens quase ralas em cirros que atravessam o buscar do quase não sei horizonte onde enfiei meu olhar perdido.

O livro ali, sobre o estar secreto de uma possível reunião. No meio de homens de preto e seus sinceros cigarros apagados antes do entrar, suas gravatas sujas de um azul que não lembra o céu, mas a cor do cimento misturado da cidade “prisão ao céu aberto”, de uma cidade quase moderna, não fosse o nicho de seus antepassados.

Enfiei o livro na bolsa, ele ali não precisa respirar o ar das horas em que escuto o quase alcorão de meu trajeto profissional, quero que ele fique parado, como um coração simétrico, que não se desfaça, nem se despedace, mas que se mantenha integrado ao sistema que lhe é peculiar. Na hora certa sairá dali para as estantes de quem quiser servir-se de suas palavras.

A noite é quase longa, nem conto com as estrelas, a catedral me dá um aceno às escondidas e saio para os bares. Estão cheios de velas acesas e me presenteio com um vinho, cálice da noite, desconheço idéias que não me tragam prazeres, quero o prazer de estar ali.

No quarto de hotel, lembro de uma torre, um dia, lembro de um lago que troquei de nome, lago sul, lago azul, escambo de pronúncias, nada mais tão importante que o próximo momento em que pegarei o avião de volta para o norte.

Algo inquietante estar numa cidade em que se aprende a viver sozinho sem qualquer sorriso, algo inquietante, mas profundamente enriquecedor. Sou dispersa e quase me atrapalho com o dia, então vou a UNB buscar informações. Saio dali em transe, não como da última vez, mas com um outro brilho no olhar, de quem tem a certeza.

Hoje verei o pôr do sol do lago, ele é largo, mas não é profundo, em seu mirante vejo coisas em miniatura, como soldados de chumbo se derretendo, não de calor, mas de miragem, vejo Lock Ness e seu Moby Dick, cavalos marinhos de água doce, corcéis e plânctons passeando tontos em suas margens.

Brasília tem uma energia de quase centro, o centro do Brasil, o centro das horas, o centro de desérticas paisagens ralas de quase um cenário de filmes italianos.

Mas falando em comédia, saio todos os dias às cinco de meus compromissos e caminho em passos largos porque a grama é toda minha, posso ir aonde quiser e caminho, cada monte e pedaço de terra eu costuro com meus passos que nem são apressados, tão pouco lentos demais. Hoje não sei o que fazer com a noite. Ligo para meus amigos em Belém porque aqui não conheço ninguém.

Abro o caderno e escrevo. Deixei palavras escritas em cada lugar que fui. São meus rastros. Minhas bombas de terrorismos poéticos.

Ainda me restam dois dias. Às cinco da tarde, hora de Brasília busco o asfalto e apanho um táxi, pergunto ao motorista onde há um lugar vivo com pessoas alegres, vejo um amontoado de pessoas e desço, acho que terá um show, uma feira, não sei ao certo, as pessoas parecem tão próximas e me sento em uma das barracas. Meia hora depois recebo um oi de um rapaz muito simpático. Coincidência ou não ele estuda na UNB, começamos uma conversa agradável, inteligente, gentil. Saímos dali para uma dessas festas de bandas de rock, que eu tanto gosto, ele tem 32 anos.

Ficamos amigos então ele descobre que escrevo, e mais uma coincidência, ele também escreve e bem, ensaia publicar seu primeiro livro, mas tem um blog que se chama Delírios do planalto, eu rio de primeiro com essa ilusão, aqui estou de pára-quedas , de novo apaixonada pela vida, mas desta vez de pára-quedas, de olhos bem abertos em pleno ar de Brasília e suas asas de anjo coberto de poeira.

Postagens mais visitadas