LUTO
 


LUTO é o que escuta. Seria a força da tragédia diante do hedonismo de nossa sociedade? Vivemos em uma época em que não queremos e não podemos ver/sentir a dor do outro, pois urge sobrevivermos a cada dia. Aí, de repente, acordamos e somos colocados diante da tragédia do outro, da tragédia capaz de romper a camada de insensibilidade que colocamos entre nós e o mundo que nos cerca. Em um tempo em que se permitir sentir a própria dor é algo a ser trabalhado, como sentir a dor do outro? Uma racionalização se faz necessária! Imagens das tragédias coletivas são repetidas na mídia até que percam a potência de contágio e, neste processo, os fatos se diluem nas múltiplas narrativas encontradas. Por baixo delas ecoa o pedido: reconduzam-me a minha, a nossa zona de conforto. Digam-me, por favor, o que sentir?!


Quando é difícil até falar, como calar? Por LUTO a sociedade traduz sua solidariedade à morte. Em um âmbito mais micropolítico a dor da perda de afetos que nos são caros irrompe e, independente de nossa permissão, o LUTO, tão somente, instala-se. Vestir a cor negra foi um código social usado durante o período convencional de luto. Creio que na ausência dele, o tempo de elaboração da perda se tornou algo mais particularizado. Para o bem ou para o mal, ao gosto de nossa atual sociedade as pessoas em torno estão liberadas do convívio com a dor do outro. Refiro-me a esta que outrora era imposta pela imagem de pessoas com roupas negras. Contudo, para além das aparências e convenções, trata-se sempre de uma elaboração subjetiva, cada um a seu tempo e com sua dor.


Ainda hoje li que não se supera uma perda, aprendemos a conviver com ela e seguir em frente. Concordo com esta afirmação. Tenho visto pais que ao perderem seus filhos em tragédias dão um sentido político ao fato e, assim, conseguem ir em frente. Para os efetivamente mais distantes da tragédia, na emergência, resta ajudar com os meios disponíveis e, em um tempo mais alargado, corrigir as possíveis distorções de sentido e reconduzir as ações e discussões.


Assim, em termos mais macropolíticos, permanece que apenas os afetos sentidos nos corpos possuem força de contágio. Existe muito trabalho a ser feito. Em nosso país perdemos diariamente muitas vidas.


 boate Kiss - Santa Maria -RS

 Luiza Helena Guimarães é

artista multimídia, mestre em comunicação e cultura -ufrj- doutora em psicologia clínica- pucsp.




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