O  jardim   e   o   dragão – Josette Lassance  07/11/2012

orgulha-me neste papel – eis uma coreografia – : Um dragão circula. E dança. Ele toma conta de tudo. Tem as vestes difusas de uma metamorfose. Digo que ele habita porque doma às vezes o que penso. Domina? 

O tempo me tira os dentes e planto ervas. Eu diria que é um ponto em seguida para viver. Faço meio século daqui a alguns dias. Como me sinto? Perto da morte ou da sorte de estar envelhecendo com brio?

Vejo-me no fundo das panelas quando ario. A água que lhe circunda me cai nas mãos, na ponta dos dedos e resfrio. O vento está quase úmido. É quase chuva descendo goela abaixo pela Amazônia. Preciso despertar para o desejo de cozinhar para o inverno.

Habito nesta terra de índios pintados de luta.  Mas não vemos a cara dos vencedores. Eles estão sempre com os destinos traçados. Desenham a terra em forma de planeta desabitado. E me expulsam, quando os devoram. Cobiçam as florestas, as folhagens, o ouro, o ferro, e plantam dinheiro. As plantações ganham os latifúndios.

Tenho que ficar aqui, ariando panelas enquanto escrevo verdades. O vento não mente. Ele sussurra a fome dos deuses. E dos homens com sede.

A água cairá aos montes. O sol ao belo horizonte descampado. Tudo ficará mais triste quando começar a chover. Então meu dragão se aquieta em seu círculo.

Meu jardim cresce. No meio das janelas onde circulam os olhares para a plenitude de um jardim, pequena amostra de um perfume raro.

Do que sinto falta? Esse vazio que invade os territórios livres. Enquanto a civilização finge viver feliz.

Eu estava lá quando a índia levantou seu terçado. Vi com estes meus olhos. Dancei com eles. O que poderia mais fazer senão dançar e entoar uns mantras? O que mais adiantaria?

Pergunto: O que mais adiantaria? 

Arte engajada? Performance. Pintura. Poesia. Eu iria morar lá e lutar? Com espadas contra um império? Quando dou aulas, invado meus alunos com questões. E falo dos perigos da vida. Da alienação. Mostro a vida como ela é.

Mas há um império sobre minha cabeça. E rolam cabeças. Por isso meu dragão está preso a um jardim circular. Circunscrito. Enquanto apanho as folhas secas para se dissolverem ao solo próximo a minha floresta. E o texto flui. Como um espiral de cores.

Quando perderei o medo de lutar? Porque lutei algum dia. Lutei mais do que com as palavras. E vieram muitas luas. E vi muitos tombarem sobre os mesmos propósitos. Iguais. Sem nenhuma diferença dos que seguravam as bandeiras explícitas da corrupção. Iguais como as dos coronéis, iguais aos dos latifundiários. Iguais a tudo que hoje posso dizer um vicioso círculo de insanidades.

Então o que posso pensar? Que meu dragão está no lugar certo?  Dentro de meus limites existenciais? Em sua prisão domiciliar. Em meu jardim perdido entre tentações?

O perfume das plantas; dos jasmins; do açaí, do corpo das flores miúdas disfarçam uma tranquilidade. A sonoridade da floresta acalma as manhãs.

Posso virar meus olhos. Posso escrever sobre o amor. O que adiantaria?

Vez por outra posso citar Ezra, e terminar meu texto assim:
 
 “Podeis reconhecer um mau crítico porque ele começa por falar do poeta e não do poema.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Postagens mais visitadas