Crônica de viagem São Paulo & Rio e
Rio & São Paulo
Perto de uma fábrica abandonada, por
certo uma fábrica de bonecas: Vejo cabelos. Quase um pouco mais das cinco da
tarde – enquanto os navios de carga descansam – as paredes do ônibus vão
mudando de cores – há o escurecimento – escutei conversas sobre a máfia chinesa
em são Paulo
– a lavagem do dinheiro na 25 de março – a mão de obra das Colombianas que
costuram 12 horas por dia para ganhar 0, 35 centavos por peça.
Passo por minas velhas – ruínas da cidade não muito antiga – 35 anos atrás feitas por prédios disformes usados e cinzentos – me cubro um pouco mais do frio que se mistura ao ar condicionado.
Passo por minas velhas – ruínas da cidade não muito antiga – 35 anos atrás feitas por prédios disformes usados e cinzentos – me cubro um pouco mais do frio que se mistura ao ar condicionado.
Há partes do Rio que não me
interessam – tão pouco o hálito de alguém ao lado chupando halls, tudo num
aroma tão extremo – fortes aromas – as casas vão ficando triangulares – mais
containers com o escrito TEX – China. Aqui recebemos uma espécie de pré-lixo
que vem da China Shipping – bugigangas baratas e viciosas sem função – exceto a
de virar mais lixo mais tarde, tarde demais – o porto do Rio de Janeiro recebe
e logo ao lado um muro de concreto dá origem a uma floresta (?) .
Ritmo de um mangue forçado a ser, a pertencer naturalmente a um habitat animal que não pode ser vencido pela continuação desse mesmo concreto porque há de romper-se um dia.
Ritmo de um mangue forçado a ser, a pertencer naturalmente a um habitat animal que não pode ser vencido pela continuação desse mesmo concreto porque há de romper-se um dia.
Muro quase interminável de rotinas: a
flora e a fauna humana em
harmonias. Logo acima uma travessia de pedestres (passarela)
com ervas daninhas subindo os tubos de ferro e camelôs expondo suas peças
retrôs.
As grandes pontes são turvas e se
confundem com águas acinzentadas que correm como espuma. Parecem estagnadas no
espaço que percorrem enquanto o ônibus que eu viajo passa sua lataria azul – as
janelas e as cortinas parecem zebras azuis, mas suas poltronas limpas e
acolchoadas são finas e não me trazem conforto que eu esperava pelo valor que
paguei para viajar 6 horas: 70 reais. O piso vermelho do corredor contrastando
com o azul das cadeiras parece um tapete (tapetes-vermelhos que aguardam
pessoas ilustres).
A estrada – árvores plantadas na
mesma direção – finas e secas pelo frio – eucaliptos dão um aroma cítrico ao
caminho em que todos os carros percorrem em velocidades diferentes. Os
passageiros começam a falar ao telefone. Hábito saído há pouco do relógio do
tempo – havia antes um silêncio – como velejar pelos trópicos vazios do mundo –
ou andar de trem – a fumaça e o vento batendo nos ossos dos rostos entre a
presença metafísica de um ritual de caldeiras – máquinas – e o desbravar a
beleza selvagem de sua paisagem real.
Estranha essa raiz desconexa de
palavras ao vento pelo simples tagarelar – indispor o prazer da viagem da
leitura da fotografia momentânea e registrada na retina – ou o apagar dos olhos
para fugir da morte do campo – tudo se transforma então num costume comunicativo
de repetições desnecessárias – retira-se a essência do passeio - do
desaparecimento proposital de alguém que quer buscar um alimento novo para seu
espírito arraigado com frequência de horários intranquilos disputados pelo
correr dos metrôs e ônibus – a correria para todos os lugares impossibilitados
por um fluxo fragmentado e interrompido do trânsito.
Não se consegue mais o isolamento
necessário para renovação de energias – nessa inversão – nossa casa – parece
ideal – para quem carece de aventuras não o é – não substitui um trajeto pelo
selvagem encontro que nos permitimos quando saímos para outros lugares – é
diferente uma lembrança in lócus do espírito do corpo em movimento – perfeita
harmonia – ver – tocar a terra – a água do mar – a chuva nas montanhas – a
seiva das plantas – o calor do equador – o frio do sul – a árvore da montanha –
os arbustos do cerrado – a fogueira das praias – o aroma apetitoso de uma tarde
que se prolonga num acampamento de um lago – a floresta densa tropical – as
alvoradas sem cheiro de combustível – quem viaja quer priorizar suas buscas – e
vai além do que vê – como monumento da paisagem.
Por isso faço as malas com pequenas
coisas – livros de bolso – caneta e caderno para esboços de diários de bordo -
binóculos – sandálias para trilhas – vestidos para absorver experiências
metafóricas com a vida – olhar de grandes profundezas – desde a primeira luz
até o anoitecer – tecer unidades desconectadas com seu bem estar interior.
Conversar é preciso – ouvir é preciso – olhar é preciso – tudo é tão precioso –
que não se deve fazer nada por fazer – nosso presente nos conforta de quaisquer
coisas desconfortáveis do passado – e nos abre a mente – como nossas malas
interiores – ilusão de que podemos viajar para qualquer lugar do mundo. E o
melhor de tudo: Escrever sobre elas.
Do livro – Crônicas, sonhos &
cafés/2011/Josette Lassance