Por quê não existe mais a floresta onde caminhei e respirei com profundidade minha infância feliz? A tarde caía e uma eletricidade cósmica carregava sombras, folhas e o aroma negro da escuridão da mata, cheiro selvagem de seiva e os açaizeiros cobriam os quintais. A terra havia sido, feita pelas origens, trazia o poro aberto das frutas e das flores. Então os carros de boi misturavam esterco pelas estradas onde o tabaco, a mandioca, o café eram plantados. Dali se estendiam lugares e conversas, risadas e ecos.
Meu retorno após longos anos de exílio: Uma lágrima seca e dura saía de mim, os anos levaram pessoas do clâ, a memória abrindo-se e trazendo os dias, a maromba, o café na calçada quente, o suor escorrendo no rosto de Chiquinho Piquiá, as panelas de D. Vinoca, o talho do jirau. Eu olhando para a casa vazia.
Dominguinho sorri ao me ver. Saudades. Venho reencontrar-me. Poucos os escolhidos por meu coração de palha, que ainda teima em queimar seus últimos fósforos. Venho em busca de algo que perdi. A inocência daqueles dias ensolarados entre as varandas, as redes e minhas leituras diárias, José de Alencar, Machado de Assis.
Estou dura. Quase nada me emociona, após tantos anos pela cidade grande. O interior hospedou a casca das cidades e rompeu suas fronteiras. As linhas do perigo estão expostas. Nada mais de "bandeirinhas" nas noites de lua cheia, Dominguinhos abre um sorriso. Cinquenta e um anos de idade. Eu? 48. Bem vividos. Bem crescidos e talvez embrutecidos pela humanidade que tenho encontrado ultimamente. Nenhuma visão romântica. Então olho para o céu após dois dias de exílio: - Estrelas. Tantas que nem sei contá-las.
O que me diferencia da cidade, essa distância incorreta entre todas elas. Tantas luzes confusas. Aqui ainda posso assistir ao Cruzeiro do Sul ou Três Marias. Quem sabe?
A metade casa de palha de Dominguinho resiste. Linda. Com lamparinas acesas e um tosco banco no chão batido de barro. Meu irmão que não tive.
Prometo voltar. Dominguinho me promete uma visita. E saio dali para meus pensamentos. Vamos caminhando e buscamos a rua. Encontro um marco em frente a casa azul, algo que enterraram ali, ainda faz parte do esqueleto do carro de boi que seu Chiquinho guardava na maromba. Ainda existe a árvore que D. Vinoca plantou. O telhado ainda é o mesmo.
Fotografo o marco. Última recordação. Talvez única. Mais ainda, minha mente fragmenta paisagens guardadas no corpo. Moldadas no coração.
Revisito o rio onde passava, onde aprendi a nadar:
Rio grande
Rio largo
Rio sonho, passado.
Aos queridos amigos,
Dominguinho, Chiquinho e Vinoca.
Um abraço debaixo do baú.
Josette.